Neorrealismo e Glauber?




Há um duplo objetivo na minha vontade por conhecer o neorrealismo italiano. O primeiro, de todo cinéfilo, é conhecer este movimento fundamental da história do cinema. O segundo, como anunciei num outro post, é trilhar as influências ao cinema latino-americano dos anos 1960. Neste sentido, não poderia deixar de escrever algumas percepções sobre isso em Glauber Rocha (o meu diretor brasileiro do momento), centralmente em Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Duas características, comuns aos filmes italianos do pós-guerra, parecem estar presentes neste trabalho de Glauber. O Primeiro a destacar é a mudança da localização da câmera, tirando-a dos estúdios – e todo seu cenário pomposo e caro – e colocando-a na rua – junto ao povo “real”. Porém, Glauber não filmará no cenário urbano, como fizeram os italianos, mas no principal local de conflito e de representação das contradições do país: o Sertão. Aliás, Glauber não foi o único a usar o agreste nordestino como cenário para o Cinema Novo.

Outra característica do neorrealismo italiano: a utilização de não-atores para representar os personagens nos filmes, com a pretensão de criar um ambiente mais real. Glauber usa seu motorista para fazer o “cego” em Deus e o Diabo... Um personagem muito importante, diga-se de passagem, pois é quem guiará os demais – o vaqueiro e sua esposa e Antônio das Mortes (meu preferido, que merecerá um post a parte) – aos seus destinos. Porém, sempre os questiona sobre seus caminhos. Um cego como guia: a metáfora da alienação, tema presente no filme. Ao mesmo tempo, um personagem consciente dos desfechos daquelas ações.

Estas referências na obra de Glauber se mesclam com outras inúmeras influências. A liberdade que deu a Othon Bastos em sua atuação é um exemplo disso. Estudando naquela época o teatro brechtiano, Othon leva as técnicas deste teatrólogo alemão para Deus e o Diabo.... A principal referência a isso é o diálogo entre Corisco e Lampião feito num monólogo de seu personagem. Em muitos momentos era o ator quem conduzia a câmera, e não o seu contrário, e a partir do seu movimento o Sertão vai se revelando para nós.

É óbvio que as influências de Glauber provêem de muitas outras tradições e movimentos. Mas, pelo limite que tem um blog, e também do seu autor, não é minha pretensão enumerar todas. Mas uma é bastante evidente e não poderia deixar de registrar: a Nouvelle Vague. As referencias desta escola no diretor brasileiro são muitas: assim como o percurso da Nouvelle Vague teve início na crítica de cinema, Glauber era um jornalista crítico de cinema antes de começar a filmar; a valorização do intelectual: Glauber defende um cinema-autor, em que o diretor seja soberano e independente em sua criação; a revolução proporcionada pela câmera de 16mm: "uma câmera nas mãos e uma idéia na cabeça"; dentre outras que não me lembro agora – pois escrevo na madrugada, em mais uma de minhas insônias. Fica então este tema para outro post, numa outra insônia.

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