Projeto - CINEMA E SOCIEDADE

Este projeto "extracurricular" foi elaborado no final de 2010 para ser trabalho durante o ano letivo de 2011. Quem tiver interesse pode aproveitá-lo integral ou parcialmente. Agradeceria se os leitores fizessem comentários sobre este projeto, principalmente se resolverem usa-lo para alguma atividade em suas escolas.
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Projeto: Cinema e Sociedade: a representação do Brasil nas telas: o Grande Sertão


O objetivo principal do projeto “Cinema e Sociedade” é desenvolver entre os muros da escola uma reflexão crítica sobre o cinema e a sociedade brasileira. Para isso, trabalhando com temáticas interdisciplinares, pretendemos desenvolver determinadas competências e habilidades com os alunos participantes do projeto, promovendo a criação de um grupo de estudos, responsável pela manutenção de um blog, assim como da exibição de filmes para a comunidade escolar.
[Para le-lo na íntegra, clique no link do post]


Justificativa
Este projeto pretende trabalhar a sétima arte como instrumento de aprendizagem dentro da escola, entendendo o cinema enquanto expressão cultural de uma sociedade, ou seja, do pensamento coletivo. Desta forma, partimos de entender os filmes e as vanguardas cinematográficas desde a perspectiva do pensamento social, as idéias que adquirem força social em uma comunidade.
Com este projeto, a partir da leitura de filmes clássicos universais e brasileiros, pretendemos desenvolver com os alunos participantes determinadas competências e habilidades, tais como: compreender a linguagem cinematográfica; contextualizar arte e literatura; valorizar a diversidade cultural; contextualizar os processos histórica e geograficamente; compreender dados históricos e geográficos; construir argumentações e elaborar propostas para intervir na realidade.
Para uma melhor compreensão do projeto, faremos uma exposição sobre a importância da linguagem cinematográfica, o porquê da escolha do tema “a representação do Brasil nas telas: o Grande Sertão”, a metodologia que utilizaremos para concretizar o projeto e os resultados esperados.
  1. O cinema
O cinema é produto do desenvolvimento técnico e científico permitido pela revolução industrial. De alguma forma, a sétima arte expressa o próprio conceito de modernidade definida no século XIX pelo poeta francês Charles Baudelaire enquanto fluída, transitória, contingencial, urbana e industrial. Na definição do historiador da arte Arnold Hauser:
… o filme é uma arte derivada dos fundamentos espirituais da técnica, e, por conseguinte, ainda mais em acordo com os problemas a ela reservados. A máquina é a sua origem, seu meio de ação e seu assunto mais adequado. Os filmes são ‘fabricados’ e permanecem ligados a um aparato, a uma máquina, mais estreitamente do que os produtos das outras artes. A máquina coloca-se aqui entre o criador e sua obra e entre o público e o seu gôzo da arte. O movimento motorizado, mecânico, automático, é o fenômeno básico do filme. (HAUSER, 1971, p. 73)
O mesmo autor continua,
O filme é, sobretudo, uma ‘fotografia’ e, desse modo, já é uma arte técnica, de origens mecânicas, cujo objetivo é a repetição mecânica, em outras palavras, graças ao baixo custo de sua reprodução, uma arte popular e fundamentalmente ‘democrática‘. (Idem, p. 74)
O cinema, enquanto desenvolvimento da arte na sociedade moderna, expressa também a própria contradição fundamental característica desta sociedade. Se por um lado, enquanto manifestação artística, ele apresenta um potencial emancipador nunca antes visto, capaz de atingir milhões de pessoas com suas idéias, pois está inserido e é, ao mesmo tempo, impulsionador de uma cultura de massa; por outro lado, enquanto mercadoria, desenvolve uma potencial forma de alienação, comum a toda e qualquer mercadoria ou produto da indústria cultural. Estes dois aspectos serão problematizados durante as atividades do Projeto, entretanto nossa preocupação central não é com o cinema da indústria cultural, mas sim com aqueles filmes que nos permitam analisar a sociedade pela ótica do cinema.
A reprodução do mundo feita num filme é carregada de concepções político-ideológicas de seu(s) diretor(s) e/ou produtor(es). Ele é um registro na forma de ficção ou realidade documentada de uma época dada, expressão do pensamento social de uma determinada comunidade ou grupo social. Por isso podemos estudá-lo na escola em diálogo com as diversas disciplinas do currículo comum do ensino médio: história, geografia, sociologia, filosofia, literatura e artes.
  1. A representação do Brasil nas telas: o Grande Sertão.
Na literatura e no cinema brasileiro, o Sertão representou a dialética entre o particular e o universal[1]. Para entendermos o significado e a importância deste Sertão no pensamento social brasileiro vale ressaltar duas históricas frases. A primeira, de Guimarães Rosa: “o Sertão é o mundo todo”. A segunda, gritada por um dos personagens de Glauber Rocha, em referencia a Antônio Conselheiro: “o sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão”.
Guimarães Rosa tinha razão. O sertão está em toda parte. Ou, pelo menos, impregna a fundo o imaginário da cultura brasileira. Não apenas os livros de Euclides da Cunha, Graciliano Ramos e o citado Rosa como também os primeiros filmes do Cinema Novo e os períodos da ‘retomada do cinema brasileiro’, situado entre o início dos anos 1990 e princípios de 2000. (ORICCHIO, L.Z., 2009)
Segundo Antônio Candido, fruto do desdobramento de nossa independência política, no início do século XX a literatura brasileira buscou não mais dialogar com a velha metrópole portuguesa, mas encontrar uma identidade nacional para se afirmar enquanto uma Nação. Os conflitos, as tensões, os temas antes com Portugal, agora são internos, mas sem deixar de relacionar-se com a literatura universal. Nesta perspectiva, o Romantismo foi no Brasil um vigoroso esforço de afirmação nacional, assim como o Regionalismo desde o início do romance constituiu uma das principais vias de autodefinição da consciência local.
A publicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha, em 1902, assim como a divulgação dos estudos de etnografia e folclore, contribuíram certamente para esse movimento (…). Caberia ao Modernismo orientá-lo no rumo certo, ao redescobrir a visão de Euclides da Cunha, que não comporta o pitoresco exótico da literatura sertaneja. (CANDIDO, idem, p. 114)
A Semana da Arte Moderna (São Paulo, 1922) foi realmente o catalisador da nova literatura e da vanguarda artística, inaugurando duas décadas de efervescência cultural e política, principalmente no âmbito literário, em torno do tema Brasil:
Nos dois decênios de 20 e 30, assistimos o admirável esforço de construir uma literatura universalmente válida (pela sua participação nos problemas gerais do momento, pela nossa crescente integração nestes problemas), por meio de uma intransigente fidelidade ao local. A partir de 1940, mais ou menos, assistiremos, ao lado disso, a um certo repúdio do local, reputado apenas pitoresco e extraliterário; e um novo anseio generalizador, procurando fazer da expressão literária um problema de inteligência formal e de pesquisa interior. O Modernismo regionalista, folclórico, libertino, populista, se amaina, inclusive nas obras que os seus próceres escrevem agora… (Idem, p. 126)
O Modernismo enquanto movimento artístico decaiu nos anos 40 e 50. Mas seus temas tramitaram da literatura para o cinema. Não para o cinema de chanchada da Atlântida, maior produtora cinematográfica do Brasil, localizada no Rio de Janeiro, e fiel representante do cinema de mercado. Transitou para um vivo movimento político e artístico conhecido como Cinema Novo. Nas palavras de seu maior expoente, Glauber Rocha:
O que fez do Cinema Novo um fenômeno de importância internacional foi justamente seu alto nível de compromisso com a verdade; foi seu próprio miserabilismo, que, antes escrito pela literatura de 30, foi agora fotografado pelo cinema de 60; e, se antes era escrito como denúncia social, hoje passou a ser discutido como problema político. (ROCHA, Estética da Fome)
No Cinema Novo o Sertão é mais uma vez um dos seus temas principais. Representa as contradições de um Brasil marcado pela desigualdade social, pela violência e o analfabetismo, por formas de dominação tradicionais e interpessoais, etc. Todavia, é retratado também enquanto espaço de resistência a opressão. Em meio a barbárie há a possibilidade da transformação social, mesmo que esta aparece num horizonte longínquo.
Estão presentes no imaginário brasileiro as imagens deste grande Sertão: o camponês ou o vaqueiro; o cabra macho; o messianismo e o cangaço; a seca e a fome; a vida severina, a vida e a morte; o latifúndio e a luta pela terra; o coronelismo. Segundo Ismael Xavier,
O sertão é um lugar mítico dentro do processo de construção da identidade nacional, com forte presença nas formulações do século 19 e da primeira metade do século 20: a vasta região do semiárido do interior brasileiro (centro-oeste e nordeste) é a região emblemática da seca e da miséria ligada à concentração da propriedade da terra, herança dos tempos coloniais. (XAVIER Apud ORICCHIO)
Portanto, o Sertão ao qual estamos nos referindo não tem uma localização geográfica específica – “o sertão é o mundo todo”. Seu território se estende para além das terras rachadas pela seca. Neste sentido, o Grande Sertão, enquanto representação da barbárie e da miséria não está presente apenas nos filmes que retratam o Nordeste. Encontramos suas temáticas na própria vida urbana, não apenas porque o “vaqueiro” migrou para a cidade na segunda metade do século passado, mas também porque há na formação de nossa sociedade uma dialética entre o moderno e o arcaico, o urbano e o rural, o sudeste e o nordeste, carregada por todas as contradições particulares e gerais de nosso país.
Portanto, este projeto não se trata de uma exibição de filmes brasileiros para a comunidade escolar, mas sim de uma problematização do Brasil a partir do cinema. É um projeto que trabalhará com a interdisciplinaridade, pois envolverá desde o conhecimento de história, geografia, sociologia, passando por literatura e artes. O professor, enquanto orientador e coordenador do projeto, instigará os alunos participantes a conhecerem os debates que movimentaram as importantes discussões da inteligência brasileira sobre o nosso país. Se pudermos definir em que área se encontra este projeto, diríamos que na sociologia do pensamento social brasileiro. O instrumento de nossa análise é, portanto, o cinema.

Metodologia
O desenvolvimento deste Projeto dependerá de:

  • Criação de um grupo de estudos (leitura e discussão) da bibliografia sugerida pelo professor. Nele adotaremos o método do debate ao invés da aula expositiva, colocando o aluno numa posição ativa frente ao processo de construção do conhecimento;
  • Criação e sustentação pelos alunos participantes de um blog do projeto, vinculado ao site da Escola, onde os alunos o alimentarão com textos sobre a história do cinema, filmes clássicos e atuais, críticas, artigos de temas afins;
  • Pesquisas na internet utilizando o Laboratório de Informática da escola;
  • Exibição de filmes no ambiente escolar com o objetivo de promover a difusão da cultura cinematográfica e a reflexão sobre determinados temas, além da integração da comunidade;
  • Possível exibição de filmes em centros culturais com o objetivo de promover uma interação e participação dos alunos com os espaços culturais da cidade;
  • Incentivar a interdisciplinaridade. Sabemos o quanto é difícil, pela dinâmica colocada atualmente por nossas condições de trabalho, promover a interdisciplinaridade, entretanto, acreditamos que através deste projeto podemos desenvolvê-lo através do diálogo e da cooperação com professores de outras disciplinas.
  • Paralelo a discussão temática “a representação do Brasil nas telas”, o grupo formado em torno deste projeto organizará exibições de filmes do cinema universal. Nestas sessões nos preocuparemos em selecionar filmes de interesse dos participantes ou da comunidade escolar, sempre incentivando a importância do conhecimento dos filmes clássicos e as vanguardas do cinema mundial. A quantidade de filmes, temas e gêneros é absolutamente enorme, o que torna impossível até mesmo abarcar todos os clássicos de um único gênero no período de um ano.
    Resultados esperados
    Com este projeto esperamos que os alunos participantes e a comunidade escolar possam desenvolver um olhar crítico sobre o cinema e sobre o Brasil, aprofundando-se no estudo de temas transversais trabalhados em várias disciplinas, principalmente as de literatura, história, geografia, sociologia, filosofia e artes.

    Bibliografia e Filmografia

    Livros citados no projeto:
    CÂNDIDO, A. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: Ed. Nacional, 1985.
    HAUSER, A. “A era do filme”, in: VELHO, G (org). Sociologia da arte, Vol. I. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.
    MASCARELLO, Fernando (org). História do cinema mundial. Campinas, SP: Papirus, 2006.
    ORICCHIO, L. Z. “Novas veredas do grande sertão”, in: jornal O Estado de São Paulo, 24/10/2009.

    Filmes sugeridos:

    Glauber Rocha
    Deus e o Diabo na terra do sol (1964)
    Terra e Transe (1967)
    Dagrão da maldade contra o santo guerreiro (1969)
    Carlos Coimbra
    O Pagador de promessas (1962)
    Lampião: o rei do cangaço (1964)
    Cangaceiros de Lampião (1967)
    Corisco, o diabo loiro (1969)
    Rogério Sganzerla
    Bandido da Luz Vermelha (1968)
    Nelson Pereira do Santos
    Rio 40 graus (1955)
    Vidas Secas (1963)
    Ruy Guerra
    Os Fuzis (1964)
    Lima Barreto
    O Cangaceiro (1953)
    Eduardo Coutinho
    Cabra Marcado pra morrer (1985)
    Peões (2004)
    Zelito Viana
    Morte e Vida Severina (1977)
    João Batista de Andrade
    O homem que virou suco (1981)
    Renato Tapajós
    Linha de montagem (1982)
    Leon Hirszman
    São Bernardo (1971)
    Eles não usam Black-tie (1981)
    Cantos de trabalho
    ABC da greve (1990)
    Fábio Barreto
    O quatrilho (1995)
    Walter Salles
    Central do Brasil (1998)
    Linha de passe (2008)
    Abril despedaçado (2001)
    Guel Arraes
    O auto da compadecida (2000)
    Luiz Fernando Carvalho
    Lavoura Arcaica (2001)
    Hector Babenco
    Pixote: a lei do mais fraco (1981)
    João Moreira Salles
    Notícias de uma guerra particular (1999)
    Entreatos (2004)
    Fernando Meirelles
    Cidade de Deus (2002)
    Sergio Rezende
    Salve Geral (2009)
    José Padilha
    Ônibus 174
    Tropa de Elite (2007)
    Tropa de Elite: o inimigo agora é outro (2010)
    Bruno Barreto
    Última parada 174 (2008)
    Karim Aïnouz e Marcelo Gomes
    Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009)


    [1] Para um melhor entendimento sobre essa questão, vale uma citação de Antonio Candido: “Se possível estabelecer uma lei de evolução da nossa vida espiritual, poderíamos talvez dizer que toda ela se rege pela dialética do localismo e do cosmopolitismo, manifesta de modos mais diversos” (CANDIDO, 1985, p. 109)

    1 comentários:

    Anônimo disse...

    Os brasileiros dão pouco valor as suas coisas e "cagam em cima" do que estrangeiros falam. Seria interessante ter esse tipo de atividade no ensino médio.