"Sustentabilidade" e destruição ambiental no Brasil de Lula

"Sustentabilidade" e destruição ambiental no Brasil de Lula


Por Francisco Pontes
Publicado em 23/02/2010
Fonte: http://ler-qi.org/spip.php?article2177


O governo Lula tem buscado conquistar projeção internacional com o biodiesel enquanto um modelo de “sustentabilidade” frente à atual crise ecológica que atravessamos no mundo. O presente artigo procura discutir as contradições e mitos sobre o Brasil verde de Lula, marcado pelo desmatamento, os monopólios e a escravidão.

Desde o fracassado encontro de Copenhague(ver abaixo) no final do ano passado, e logo após as chuvas que atingiram Angra e São Luís do Paraitinga, a crise ambiental tem se tornado um tema recorrente nos noticiários, filmes e conversas cotidianas nesse início de ano. E não poderia ser diferente: as enchentes que causaram a morte de centenas de pessoas e o desabrigo de milhares nas periferias de todo o país nos últimos anos (até hoje são inúmeras as famílias pobres que permanecem sem moradias em Santa Catarina e Maranhão pelas enchentes do verão de 2008 e 2009), o terremoto que devastou o Haiti, as secas anuais e o aumento sentido da temperatura são apenas alguns fatos que nos levam a questionar quais são as origens, motivos e responsáveis por trás do evidente desequilíbrio ecológico.

O Brasil verde?

A busca de Lula (e sua candidata Dilma, mas também, com diferentes matizes, Serra e Marina), foi mostrar ao mundo durante a COP-15 a “sustentabilidade” do capitalismo brasileiro como um exemplo a ser seguido pelos países de todo o mundo.

Para além da retórica nos encontros da ONU e de ações muito tímidas que o governo realça em contraposição ao governo FHC, a postura que Lula vem tendo em seus 8 anos de mandato é de completa submissão à burguesia nacional e aos monopólios internacionais, que dia-a-dia seqüestram nossas riquezas naturais e as vidas de nossos trabalhadores, com a passividade e até em alguns casos a conivência e incentivo do governo. Os alicerces que sustentam o Brasil verde de Lula e do biodiesel são o desmatamento, os monopólios e a escravidão. Analisemos alguns fatos.

Quem nos representou em Copenhague?

Se Copenhague de nada serviu para a superação da crise ambiental, ele foi um importante palanque eleitoral e um grande balcão de negócios para a numerosa delegação da elite brasileira. Entre os que foram para Dinamarca junto com Lula, Dilma, Serra e Marina, estavam presentes: Aprosoja; Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa) Bovespa, Bradesco, Braskem; Câmara Internacional de Comércio; Camargo Corrêa; Confederação Nacional da Agricultura (CNA); Coca-Cola; Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); Fiat; Fundação Roberto Marinho; Natura; Petrobras; Santander; Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool (Sindaçúcar); União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única); Vale do Rio Doce; Votorantim. Nada menos que 700 pessoas na numerosa delegação brasileira.[2]

Amazônia e Marina

Vejamos alguns dados, começando pela principal floresta do planeta. Somente no último ano, segundo Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente, foram desmatados 7 mil kms quadrados somente na Amazônia.[3] Desde 2004 até 2008, são mais de 60 mil kms de desmatamento. Isso equivale ao estado do Rio de Janeiro e mais 11 cidades do tamanho da cidade de São Paulo de destruição. Além de já ser devastada ilegalmente pelas grandes madereiras ao longo de décadas, agora nossa floresta poderá ser “alugada por 30 anos” a ONGs e empresas: serão nada menos que 67,4 milhões de hectares destinados aos interesses privados sob o verniz do ambientalismo de mercado. Tal projeto, chamado Projeto de Gestão de Florestas Públicas para a Produção Sustentável, é obra de Lula em parceria com Marina Silva, na época ainda sua Ministra do Meio Ambiente.[4]

Durante o ministério de Marina, ocorreu a aprovação da transposição do rio São Francisco e a liberação dos transgênicos, favorecendo os monopólios. Longe de ser um contraponto aos projetos políticos hegemônicos do PT e PSDB, Marina e o PV são na verdade uma versão mais ecológica do projeto que governa nossos recursos naturais aos grandes empresários. Não à toa, um dos principais apoiadores de Marina e também filiado ao PV é Guilherme Leal, presidente da Natura, empresa que por trás de seu marketing ambiental se apropria de nossas riquezas da Amazônia e explora milhares de trabalhadores. As recentes notícias de seus dirigentes envolvidos com a exploração do trabalho escravo no Maranhão [5] e a aliança do PV de Gabeira no RJ com o PSDB e o DEM dos latifundiários e ruralistas só demonstram como a candidatura de Marina é completamente incapaz de resolver as contradições sócio-ambientais de nosso país e estar a serviço dos interesses dos trabalhadores e do povo. É à essa candidatura que passa longe de ser socialista, e até mesmo progressista, que Heloísa Helena, presidente do PSOL, dará seu apoio aberto ou velado.

Lula salva os desmatadores

No fim de dezembro, enquanto Lula discursava em Copenhague, era implementado no Brasil o programa “Mais ambiente”, concessão de Lula aos grandes ruralistas. Além de adiar para 2012 lei que punirá desmatadores, concedeu anistia aos criminosos que totalizarão 10 bilhões de reais (valor equivalente ao gasto anual do bolsa-família). Enquanto o governo criminaliza as lutas legítimas pelo direito à terra e em defesa da biodiversidade por parte dos camponeses, indígenas, ribeirinhos e quilombolas, deixa impune os desmatadores. São estes os grandes responsáveis para que o Brasil tenha um dos maiores índices de poluição do planeta, alcançando 10 toneladas de CO2 per capita, o triplo da média mundial. O desmatamento responde por 42% dessas emissões. [6]

Energia: grandes impactos, grandes lucros

Nos últimos dias, o IBAMA anunciou a liberação de uma licença ambiental para a construção de mais uma hidroelétrica, a Usina Belo Monte, no rio Xingu, a terceira maior do planeta em tamanho. O projeto de Belo Monte, que foi desde 89 combatido em protesto dos Povos Indígenas do Xingu, inundará uma gigantesca área de 516 kms quadrados, atingindo florestas e três cidades, causando um imenso impacto no rio Xingu, em nossa flora, fauna e nas condições de vida de milhares de famílias [7]. Uma obra faraônica, que a exemplo da transposição do Rio São Francisco, longe de gerar melhores condições de vida para a população pobre do norte e nordeste, mostra que o PAC(Programa de Aceleração do Crescimento) de Lula tem servido para atender aos interesses dos grandes empresários, nesse caso os grupos Odebrecht e Camargo e Correa, envolvidos na construção da hidroelétrica, e Vale e Alcoa, que utilizarão a energia em suas mineradoras. Como sempre, será a engenharia do lucro a única que prevalecerá também em Belo Monte: além de todo o impacto causado, com escavações equivalentes às do Canal do Panamá, o rio Xingu tem conhecida estiagem durante períodos importantes, podendo a Usina ter uma produção muito baixa ou mesmo não produzir energia durante alguns meses.

Assim como em Belo Monte, outra operação escandalosa se desenvolveu no campo da produção de energia com a ajuda do governo federal: o empréstimo de 1 bilhão de reais do BNDES(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ao empresário Eike Batista para construir uma termoelétrica a carvão (uma das formas mais poluentes de produção de energia) no estado do Maranhão.[8]

Cientistas brasileiros apontam que hoje, com uma política de planificação de energia e manutenção de nossas hidroelétricas (repotencializando os geradores e melhorando a eficiência de nossas redes de transmissão, que perdem 15% de toda a energia produzida), teríamos, sem nenhum impacto ambiental e com muito menos custos, energia suficiente para todo o país, não necessitando a construção de nenhuma nova usina[9].

Agronegócio, monopólios e trabalho escravo

O agronegócio, um dos pilares fundamentais da economia brasileira, tem sido um dos setores mais favorecidos pelo governo, sejam os latifundiários e coronéis brasileiros ou os grandes monopólios internacionais.

Se em perspectiva os biocombustíveis são apontados como aqueles que podem resolver a crise energética do petróleo, a sua produção limitada pela ânsia do lucro está longe de ser “limpa” e “renovável”. Áreas imensas no Centro-Oeste e na Amazônia são devastadas com o avanço da soja, e o quadro não é distinto com a monocultura da cana e seu deserto verde. O empobrecimento dos solos, a perda de nosso banco genético com os transgênicos que botam em risco nossa produção alimentar, a contaminação das águas e as doenças respiratórias que as queimadas trazem nos mostram que a única sustentabilidade nesse cultivo é a do capital.

Capital esse que é, e tem se tornado cada dia mais dos principais monopólios imperialistas, que tem visto nos agrocombustíveis um grande nicho. É com isenções de impostos e muitas vezes até com empréstimos do BNDES que grupos imperialistas como Monsanto, Syngenta, Dupont, Dow, Basf e Bayer hegemonizam o mercado com as sementes transgênicas para serem usadas por Bunge, Cargil, Noble Group, ADM e Dreyfus, alguns dos principais conglomerados mundiais que tem adquirido áreas enormes e diversas usinas menores, conquistando terreno importante no disputado mercado dos agrocombustíveis. [10]

Tal produtividade, que chama a atenção de tantos investidores estrangeiros (até o banqueiro George Soros comprou uma Usina em Monte Alegre – MG), só é possível pois se assenta em condições de super-exploração de trabalho que beiram a escravidão. Desde a década de 80, estudos apontam que enquanto duplicou-se a produtividade do trabalhador rural, cortando por dia até 15 toneladas, os salários diminuíram quase pela metade variando em média de 380 a 470 reais.[11] Com condições absurdas, a expectativa de vida de trabalho no corte é de apenas 12 anos. Somente em SP morreram 21 cortadores, em acidentes de trabalho, nos último anos. Em 2007, foram 3131 trabalhadores libertados da escravidão pelo Ministério Público nas Usinas. [12] É esse o agronegócio, que Serra em SP e Lula no Brasil tanto incentivam e sob o qual se apoiarão nas próximas eleições. Um quadro absurdo que a cientista Maria Cristina Gonzaga do Fundacentro define precisamente ao dizer que “ o açúcar e o álcool no Brasil estão banhados de sangue, suor e morte.”

A crise ambiental necessita ser superada

Procuramos, ao longo do texto, tentar descrever com alguns fatos as contradições ambientais que marcam a realidade brasileira, que longe de caminhar para a superação de uma histórica destruição do meio ambiente, que vem desde séculos atrás ocorrendo pelos países imperialistas e posteriormente também pela burguesia nacional, é mantida em ritmo constante sob a gerência de Lula. O capitalismo torna evidente a cada dia que não pode conter a destruição anárquica dos recursos naturais, e que a busca pela rentabilidade vem acima de tudo, seja da biodiversidade de nosso planeta ou da vida de milhões, demonstrando a cada momento novas cenas de uma tragédia anunciada.

Somente a luta pela superação dessa sociedade, a construção da transição socialista encabeçada pelos trabalhadores, poderá por fim as catástrofes e absurdos que marcam nossa história contemporânea por todo o planeta. Será apenas com a superação da propriedade privada, expropriando os monopólios e reorganizando nossa produção e cidades sob o equilíbrio racional entre as necessidades humanas e a conservação da natureza, que poderemos recuperar nossas florestas e garantir vida digna a todos explorados e oprimidos.

SOBRE COPENHAGUE: Reunidos durante 12 dias na Dinamarca, em conferência conhecida como COP-15, governantes de 119 países estiveram longe de chegar a qualquer tipo de acordo que de fato pudesse conter o avanço da destruição anárquica dos recursos naturais e o aquecimento global que o modo de produção capitalista tem gerado e intensificado a cada ano.Sem nenhuma resolução com valor jurídico, o que tivemos foi uma carta genérica propondo reduções não obrigatórias e a criação de um fundo de combate ao aquecimento no valor de 30 bilhões de reais até 2012 e que esse valor se estenda a 100 bilhões até 2020. O documento é um retrocesso em relação ao já tímido e insuficiente Protocolo de Kioto, cujo prazo expira em 2012. Segundo estimativas, seria necessário 1,737 trilhão de reais até 2020(17 vezes mais do que o “possível” fundo ainda não concretizado) para se alcançar os objetivos de médio prazo na luta contra o aquecimento global. Isso é 12 vezes menos do que foi gasto para o salvamento dos bancos e do valor financeiro dos capitais privados e 2/3 dos gastos militares mundiais somente de 2008(2,6 trilhões de reais).[1]

REFERÊNCIAS

1) Riccardo Petrella,” Os Obstáculos no caminho de Copenhague”, LeMonde Brasil. n.29, Dezembro,

2) http://www.mst.org.br/node/8728

3) Carlos Minc e Suzana Kahn, Compartilhar as responsabilidades,LeMonde Brasil. n.29, Dezembro

4) Eleonora Gossman, “Lula traspasa a manos privadas gran parte del Amazonas”, Clarín, 26/06/09.

5)” A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Maranhão (SRTE/MA) encontrou 24 pessoas - incluindo um jovem de 17 anos - em condições análogas à escravidão na Fazenda São Raimundo/São José, pertencente ao prefeito de Codó (MA) José Rolim Filho (PV), conhecido como Zito Rolim.” http://www.mst.org.br/node/8883

6) Silvio Caccia Bava, Ambiguidades e contradições, LeMonde Brasil , n.29, Dezembro.

7) Naiana Oscar, “ONGs vão tentar deter Belo Monte na Justiça”, O Estado de São Paulo, 14/02/2010

8) Ramona Ordoñez e Eliane Oliveira, Agencia O Globo - 10/12/2009

9)Entrevista com Washington Novaes, O Estado de São Paulo, 14/02/2010

10) Maria Aparecida Moraes Silva, Produção de alimentos e agrocombustíveis no contexto da nova divisão mundial do trabalho, Revista Pegada – vol. 9 n.1 80 Outubro/2008.

11) Maria Cristina Fernandes, “O piso salarial do etanol”, Valor Econômico, 09/03/2007

12) http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u392412.shtml

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