Por Ricardo Festi
O jornal Correio Popular deste domingo, 20 de maio, trouxe estampado no lado esquerdo de sua capa a seguinte chamada: "Prejuízos das greves expõe exageros do sindicalismo". Nenhuma surpresa, pois toda cobertura feita por esse jornal ao longo da semana, assim como a EPTV da Globo, foi marcada por um tosco movimento ideológico contra a greve dos trabalhadores do transporte (e também dos serviços públicos municipais, que continuam em greve) e uma percepitível falsificação da realidade. Vejam o tom do artigo escrito pelo jornalista Natan Dias:
Nos ultimos quatro dias, Campinas se viu mergulhada em um caos com a paralisação de serviços essenciais: transporte público, com a greve dos rodoviários, e, principalmente, nas áreas de Saúde e Educação, com a greve dos servidores públicos municipais. Em consequência, trabalhadores não chegaram ao serviço, gente se acumulou nos pontos e terminais, os poucos coletivos 'transbordavam', cidadão foram vítimas de agressão em conflitos, alguns até impedidos de trabalhar pelo movimento grevista, crianças ficaram sem aula e mães sem ter com quem deixar seus filhos para poder ir ao serviço, doentes sem atendimento médico e até mesmo cirurgias foram suspensas por falta de médicos e enfermeiros.
Este foi o tom das reportagens nessa semana: criminalização das greves. Precisam fazer isso pois de fato a greve do transporte coletivo de Campinas teve um apoio passivo do conjunto da população. É claro que ela atrapalhou a vida de muitos cidadãos ao longo desses dias. Por exemplo, muitos dos meus alunos não chegaram à escola, vários professores tiveram que adiar suas provas e mudar seus planos de trabalho. Toda greve traz determinados prejuízos. Mas isso não tira a legitimidade da ação política (pois toda greve é política). O que a reportagem não fez foi demonstrar os motivos que levaram a esta greve: os baixos salários, as altas jornadas, as péssimas condições de trabalho (nem mesmo refeitório decente esses trabalhadores possuem: lembrem-se da paralisação no Terminal Central há menos de um mês reivindicando, pasmem, banheiros e refeitório decentes).
Mas a ironia do artigo está logo neste primeiro parágrafo: Em consequência, trabalhadores não chegaram ao serviço, gente se acumulou nos pontos e terminais, os poucos coletivos 'transbordavam', cidadão foram vítimas de agressão em conflitos. Provavelmente este jornalista, míope e mal informado, nunca utilizou o transporte coletivo, pois saberia que os trabalhadores de Campinas são agredidos cotidianamente com este sistema de transporte público: todos os dias os pontos e terminais ficam amarrotados e chegamos atrasados em nossos trabalhos e escolas, pois as empresas não colocam mais ônibus para poder agariar mais lucros. Os culpados pelo "caos" desta semana, causado pela greve dos rodoviários, são os donos destas empresas e o governo municipal e não os trabalhadores. Estes, não apenas fizeram uma greve fortíssima (e isso sim incomoda a imprensa reacionária), como obtiveram vitórias. E, pior, tiveram apoio passivo da população.
Este apoio era evidente e poderia ser comprovado se estes meios de comunicação dessem democraticamente a palavra aqueles que realmente estavam nos pontos de onibus. E quando digo "dar a palavra" me refiro a reproduzir o conteúdo destes trabalhadores e não um recorte focando apenas em suas críticas espontâneas para fortificar a posição reacionária desta imprensa. Digo que o apoio foi passivo porque, apesar de insatisfeitos por não chegarem ao trabalho e, no imediato, verem que a culpa é da falta de ônibus circulando, a população compreendeu também que a greve foi um recurso necessário e legítimo. Por isso um apoio passivo. Se este fosse ativo, os demais trabalhadores sairiam dos pontos de ônibus e protestariam juntos nas ruas, não apenas pelas reivindicações dos rodoviários, mas também por um melhor transporte coletivo, barato e público (estatal). O objetivo desta imprensa reacionária é justamente impedir que este movimento (de solidariedade de classe) aconteça. Para isso, não informa a verdade, distorce os fatos e criminaliza a greve.
Não contente, a falsificação do jornalista vai muito além. Se este artigo fosse um trabalho de redação do ensino médio, seria reprovado pela incoerência na argumentação. Ele cita (retalha) professores da Unicamp e da PUC para dar um ar de cientificidade (de autoridade e verdade) para o seu movimento ideológico (falsificação da realidade). O resultado, uma citação contradiz a outra.
Dentre os citados, está o professor de Ciência Política da Unicamp, Armando Boito Jr., especialista em sindicalismo. Diz ele: "A recuperação do movimento sindical é forte no Brasil, mais forte do que foi em 1990. Afirmar que a greve é política é perder de vista um quadro muito mais amplo". O que o artigo apenas cita e não se preocupa em demonstrar, é que na última década, a maioria dos acordos salariais foram feitos acima dos índices de inflação. Ou seja, as greves foram um fator fundamental na recomposição da renda dos trabalhadores, perdida no período de FFHHCC. Sem compreender isso, não entendemos o movimento de emergência das chamadas "classes C" ou da "nova classe média" que a mídia tanto gosta em destacar com seu ufanismo barato - termo equivocado, falsificado e bem demonstrado no útimo livro de Marcio Pochman, A nova classe média?.
Apesar desta retomada das greves enquanto principal recurso da classe trabalhadora, ainda estamos longe de um movimento classista, que compreende que a greve é um recurso, um meio, na luta por superar esta sociedade capitalista. Um movimento classista é a compreensão de que vivemos numa sociedade de classes e que é fundamental que todos os trabalhadores, hoje divididos em diferentes categorias e sindicatos, se unifiquem pois são parte de uma mesma classe, criadores de todas as riquezas e, portanto, fortíssimos. Longe disso, o que vemos ainda é um movimento corporativo, muito bem controlado pelos burocratas sindicais, que vendem a ilusão do "Brasil potência" e da ascensão social. Infelizmente, esse é um dos fatores dos limites desta greve dos rodoviários. Mas isso não tira sua legitimidade, muito menos a sua força.
Abaixo, uma foto tirada por mim, na linha 2.60, num dia em que o transporte funcionou "normalmente". Esta cena eu não vejo nos jornais e nas TVs reacionárias: