Por Ricardo Festi
O slow Movement surgiu depois de um protesto contra a abertura de um
McDonald´s na Prazza di Spagna em Roma, no ano de 1986. Este foi o marco
inicial do Slow Food, um movimento
que defende o prazer de comer contra a lógica taylorista-fordista das grandes
redes de restaurantes que se proliferaram no mundo inteiro depois da Segunda
Guerra Mundial. O protesto e o movimento foram uma manifestação singular de um
movimento muito mais amplo e heterogêneo contra a chamada “globalização”. Da
comida o Slow Movement alçou voos
para áreas diferentes, na defesa de um estilo de vida com mais sentido e
conteúdo (mesmo que ainda não se tenha claro o que seria isso). Dentre eles
estão o Slow Reading (por uma leitura
lenta e concentrada dos textos, sem os incômodos e pausas das mensagens que
chegam pelos celulares, as conversas pelos Chats, o Twiter, os emails, etc.) e
o Slow Science, que laçou um
manifesto contra a universidade fast-food,
isto é, contra a lógica da produtividade cada vez mais presente no meio
acadêmico. Defendem:
A ciência lenta foi praticamente a única ciência concebível por
centenas de anos, hoje, argumentamos, ela merece ser revivida e necessita
proteção. A sociedade deve dar aos cientistas o tempo necessário, mas mais
importante, os cientistas devem fazer a seu ritmo. (...) Precisamos de tempo
para pensar. Precisamos de tempo para digerir.
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Não deixa de ser uma reação
progressista de uma camada da comunidade acadêmica contra as mudanças ocorridas
nas ultimas décadas nas universidades e no meio intelectual. Entretanto, se suas
críticas se centrarem apenas na exteriorização do fenômeno, não conseguirá atingir
seu objetivo central: resgatar uma verdadeira forma de pesquisar e conceber a
ciência (isso é discutível; o que concordamos com eles é que a forma de hoje
não é a melhor). Falta-lhes a crítica radical (na raiz) das reais causas deste
fenômeno: a expansão da lógica de mercado para uma área que antes não era
gerida diretamente pelo mercado.
Podemos encontrar uma primeira
explicação para isso em Zizek (2012):
Na União Europeia, a reforma do ensino superior pelo processo de
Bolonha é um grande ataque conjunto ao que Kant chamou de “uso público da
razão”. A ideia subjacente dessa reforma, a ânsia de subordinar o ensino
superior às necessidades da sociedade, de torná-la útil aos problemas concretos
que enfrentamos, visa produzir opiniões especializadas para resolver problemas
apresentados pelos agentes sociais. Aqui, o que acaba é a verdadeira missão do
pensamento: não só oferecer soluções a problemas apresentados pela ‘sociedade’
(o Estado e o capital), mas também refletir sobre a própria forma assumida por
esses ´problemas´, reformá-los, discernir um problema no próprio modo como
percebemos esses problemas. A redução do ensino superior à tarefa de produzir
conhecimento especializado socialmente útil é a forma paradigmática do ´uso
privado da razão´ no capitalismo global contemporâneo” (Zizek, 2012, p. 298).
É um fato que as reformas
(contrarreformas, na verdade) ocorridas nos sistemas universitários nas ultimas
décadas produziram mudanças importantes. Entretanto, entendo que essas mudanças
aprofundaram um processo que teve início há décadas junto a expansão dos
sistemas universitários (ampliação do número de alunos matriculados e de
docentes) nos países de economia capitalista avançada. Este processo, segundo
Russel Jacoby (1990), produziu a uma institucionalização da intelectualidade
norte-americana (e do mundo inteiro), agora estável em seu emprego (e não mais
dependentes de pequenas publicações para expor suas ideias), mas atolada por
afazeres acadêmicos e burocráticos. A vida do intelectual acadêmico tornou-se
enfadonha e monótona. Da boêmia, dos bares, do contato com artistas e putas (e para
alguns, com o movimento operário) – ou seja, com a vida -, o ambiente social
passou a ser as salas de aula, as palestras, as reuniões de departamento, as
disputas por publicações, etc.
O processo ao qual reage o
Slow Science é a exteriorização, na
forma mais cruel e descontrolada, de algo mais antigo que a própria “globalização”.
Trata-se de uma adequação (adestração e controle) da intelectualidade (tentemos
imaginar Marx como um professor universitário hoje: impossível!) a serviço dos
ditames do capital. Quando este muda, as suas formas de controle também mudam.
O que torna esse manifesto progressista é o alerta que faz ao que vem
acontecendo na produção predominante da ciência e do pensamento. Numa época de
crise e decadência do modo de produção capitalista, que se mostra incapaz de
(re)produzir a mais-valia por sua própria lógica (o que os liberais chamam de a
“mão invisível”), a ação (intervenção) do Estado para garanti-la torna-se
fundamental. Numa sociedade iludida pela democracia burguesa, as mentes
pensantes (e críticas) não podem ser caladas com o cárcere. Para isso, métodos
mais eficazes foram inventados: avaliações de produtividades, aumento da carga
burocrática, cooptação do intelectual com salários relativamente altos, etc.
A resistência e a crítica radical
são os primeiros passos, que devem vir acompanhadas por um movimento real e
positivo de transformação da sociedade global.
Referências:
JACOBY, Russel. “Os últimos
intelectuais: a cultura americana na era da academia”. São Paulo: Trajetória
Cultural, 1990.
ZIZEK, Slavoj. “Vivendo no fim
dos tempos”. São Paulo: Ed. Boitempo, 2012.
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