“SIMBOLICAMENTE, COMEÇOU A HORA DE NÃO ESQUECER”
Grande ato contra os 47 anos do golpe reúne mais de 250 em São Paulo
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Fonte:
http://www.ler-qi.org/spip.php?article2865
Na última sexta-feira, 1º de abril, o auditório da sede da APEOESP estava lotado. Com a presença de mais de 250 pessoas, realizou-se um comovente ato organizado pela LER-QI que teve como objetivo fundar uma nova tradição na esquerda, para colocar na ordem do dia a luta contra o golpe militar de 1964, contra a impunidade, pela abertura dos arquivos da ditadura e julgamento e punição de todos os torturadores e envolvidos, civis e militares, nos crimes da ditadura.
Com coordenação de Márcio Bárbio, professor da rede estadual e militante da LER-QI, a mesa foi composta pelo sociólogo e professor aposentado da USP Francisco (Chico) de Oliveira, Criméia de Almeida, sobrevivente da guerrilha do Araguaia e presa política durante a ditadura militar; Claudionor Brandão, demitido político da USP, diretor do Sintusp e militante da LER-QI e Gilson Dantas, médico, sociólogo, preso político durante a ditadura e militante da LER-QI.
Márcio Bárbio abriu o ato saudando a presença de toda a juventude e de todos os trabalhadores ali presentes, ressaltando tratar-se de um dia importante para dar passos adiante na necessária luta contra a impunidade, além de pedir uma salva de palmas em homenagem às lutas dos operários da construção civil que ocorrem nas obras do PAC que foi reprimida e teve a morte de três operários. Explicou aos presentes que foi convidado oficialmente junto à direção do PSTU do Rio de Janeiro que enviasse um representante dos 13 presos políticos do ato contra Obama que foi reprimido pela polícia do governador Cabral, para que pudéssemos aproveitar essa atividade e dar passos numa campanha nacional pela retirada de todos os processos que pesam sobre esses companheiros. Infelizmente não pudemos contar com nenhum companheiro visto que apesar de terem sido liberados da prisão estão impedidos de sair da cidade, ou seja, estão sitiados pelo governo Cabral e a justiça burguesa.
Tomaram a palavra para saudar o ato e expor suas opiniões o jornalista e escritor Celso Lungaretti, ex-preso político militante de direitos humanos; Miltão, do Movimento Negro Unificado; e Érico, da Liga Comunista. Dentre os presentes foram saudados o Professor Antônio Rago, da PUC-SP e da Fundação Santo André; a companheira Zezé, do Núcleo de Consciência Negra da USP, uma delegação de trabalhadores e trabalhadoras da USP e os diretores do Sintusp Marcelo Pablito, Diana Assunção e André Pansarini. O professor emérito João Adolfo Hansen, da USP, enviou desde a Califórnia uma saudação ao ato. Foi lida a saudação da Apropuc (Associação de Professores da PUC-SP) enviada pela professora Maria Beatriz Abramides, presidente da entidade. O ato também foi saudado por Heloísa Greco, do Instituto Helena Greco, de Belo Horizonte, Minas Gerais. Da Argentina, recebemos um vídeo com as combativas saudações de Elia Espen, das Mães da Praça de Maio, linha Fundadra, e de Victoria Moyano, filha de desaparecidos, integrante do Ceprodh e militante do PTS (Partido dos Trabalhadores Socialistas).
Criméia Almeida iniciou as falas da mesa, aplaudida de pé pelo auditório, dizendo:“Parabenizo a promoção deste ato, e gostaria de pedir a vocês que continuassem a nossa luta, que é a luta pelo resgate da memória das vítimas desse país”. Também disse que “Se queremos liberdade, se queremos direitos, nós temos que se unir nessa luta pela abertura dos arquivos da ditadura”. Em seguida, o professor Chico de Oliveira afirmou que “Há 47 anos nós esquecemos a ditadura. A maior vitória da ditadura é este esquecimento. Este ato é muito importante porque ele está representando e dizendo que os derrotados não esquecerão. Quando os derrotados não esquecem, a coisa começa a girar. A derrota começa a mudar de lado. Este ato tem essa importância, que é sair do esquecimento, sair da sombra”. O professor encerrou sua fala dizendo: “Este é um ato simples, e o nosso público embora agradevelmente numeroso para um ato desse precisa ser muito mais, mas ele diz mais do que os que estão aqui. Ele diz que simbolicamente, começou a hora de não esquecer. Minha saudação aos companheiros da Liga pelo valor de sair da inércia e propor esse debate à sociedade brasileira. É disso que se trata se quisermos um dia poder com autonomia de classe contemplar o horizonte do socialismo”. Ambos expressaram seus pontos de vista sobre toda a temática do ato, que em breve estará na íntegra em nosso site. O auditório lotado, tendo à frente a juventude da LER-QI com uma importante delegação de estudantes e jovens trabalhadores de Franca, Marília, Rio Claro, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Santo André respondeu combativamente: “Não esquecemos a ditadura, assassinatos e tortura!”.
Claudionor Brandão, ressaltou a ligação entre os tempos sombrios da ditadura e os resquícios desta forma ditatorial que sobrevivem até hoje, seja nos massacres à população pobre, seja na repressão policial às greves, nas ocupações militares nas favelas, ou na recente prisão de 13 manifestantes durante um ato contra a vinda de Barack Obama ao Brasil. Também denunciou a onda repressiva nas universidades estaduais paulistas, tendo ele como um dos principais perseguidos com sua demissão política pelo governo José Serra em 2008. Rafael Borges, pela juventude da LER-QI, chamou uma salva de palmas ao nosso camarada Polo Denaday, militante do PTS e jovem advogado do sindicato dos ceramistas de Neuquen e de direitos humanos que faleceu no último mês, e em seguida fez um entusiasmado chamado a todos os jovens que estavam naquele momento lutando contra a impunidade da ditadura passassem também a fazer parte de uma juventude revolucionária que luta pelos direitos democráticos, pela aliança operário-estudantil, contra o individualismo e a resignação da juventude, por uma verdadeira perspectiva revolucionária. Foi seguido pelos cantos combativos da juventude, que dizia "Pra acabar com a impunidade e punir torturador, abertura dos arquivos do regime repressor. U-NI-DA-DE, Unidade operário-estudantil, resgatando a memória nesse primeiro de abril".
Encerrando o ato falou Gilson Dantas, militante trotskista desde os anos 1960, num momento de auge do ato contra o golpe militar. Começou dizendo: “O que vou falar eu não li em livros de história. Nós que passamos por esse corredor polonês que foi a ditadura brasileira, falamos e sentimos ao mesmo tempo. Por isso vou me basear na história de um operário que viveu a ditadura e morreu nela, ele vai ser uma espécie de lembrete pregado no coração de cada um, porém escrito a sangue. É o operário Olavo Hansen, químico, que morreu em 1970.” Gilson resgatou a história de Olavo Hansen, militante trotskista na luta contra a ditadura, pela organização dos trabalhadores, para demonstrar que também na luta contra a ditadura havia distintas estratégias. “A estratégia mais brilhante que apareceu nesse país, era a estratégia proletária, organizando a classe trabalhadora, os aliados pobres, os camponeses, todos os oprimidos, negros, organizando um bloco com a classe operária como caudilho para colocar a ordem abaixo”.
Para explicar a história de Hansen, Gilson demonstrou como depois de assassinado pela ditadura seu ideal seguia vivo. “A primeira morte de Olavo Hansen foi física, morreu lutando e sonhando. Eu fui preso distribuindo panfletos contra a morte de Olavo Hansen. Quando a classe operária levanta a cabeça nas greves que Lula vai liderar, eis que Olavo Hansen se põe em movimento. Aí novamente ele morre, desta vez simbolicamente. Porque a classe se levanta, mostra potencial, uma transição pra outra coisa, com a sua cara, que não fosse costurada com a elite militar, buscando derrubar a ditadura com métodos proletários, mas nesse momento eis que costura-se um acordo por cima pra fazer uma transição pactuada onde o torturador vai ser igualado ao torturado, através da lei da anistia.”
O ato encerra-se com Gilson Dantas dizendo: “Este sistema policial não foi destruído, ainda que se avance na democracia formal. Eu encerro dizendo que é importante este ato amplo, mas vai ter ainda mais cor e brilho na medida que conseguirmos organizar nos locais de trabalho, em fábricas, na aliança estudantil e operária, um movimento que tenha o poder de fazer tremer esta maquina policial e este estado terrorista que está de pé.”
Marcio Barbio encerrou o ato chamando todos os presentes a se colocarem de pé para gritarem juntos: Companheiros e companherias presos, torturados, mortos e desaparecidos, presente! Este ato, infelizmente, foi o único organizado pela esquerda, mas desde a mesa até o plenário se expressou o propósito de que seja o início de um movimento nacional contra a impunidade, pela abertura dos arquivos da ditadura, apuração, julgamento e castigo para todos os torturadores, mandantes, financiadores e apoiadores dos crimes da ditadura. A LER-QI e sua juventude se colocam nesta perspectiva para ser parte de um grande movimento para cumprir essa tarefa histórica. Por que não esquecemos, seguimos combatendo a ditadura!
LEIA TAMBÉM: Olavo, Eremias, Juarez e os outros mártires nos legaram uma missão (Artigo de Celso Lungaretti sobre o ato contra o golpe militar de 1964)
SAUDAÇÕES AO ATO
Heloisa Greco (Bizoca) do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – Belo Horizonte, Minas Gerais
No quadragésimo sétimo aniversário do golpe militar não há como não repetir o óbvio: o Estado brasileiro continua detendo giganteso arsenal para o exercício da violência, acumulado em processo histórico de longa duração. Temos no prontuário mais de trezentos e cinqüenta anos de escravidão e mais de quinhentos anos de opressão aos povos originários, hoje em fase final de extermínio. Tivemos ainda vinte e um anos de ditadura militar sangrenta, que veio para consolidar o terrorismo de Estado. O aparelho repressivo ubíquo e tentacular então montado segue operando sob a égide da violência explícita: o Estado Penal vigente é o sucedâneo do Estado de Segurança nacional dele sendo tributário. É este o terrível legado da ditadura militar, a qual não fabricou, mas institucionalizou a tortura transformando-a em política de Estado. Institucionalizou também a cultura do sigilo, a estratégia do esquecimento, a mentira organizada e a destruição continuada do espaço público. Tal legado não foi sequer equacionado, como mostram as seguintes evidências: a permanência da tortura enquanto instituição consolidada; a guerra generalizada contra os pobres; a interdição do dissenso e a criminalização dos movimentos sociais; a questão dos mortos e desaparecidos políticos; a impunidade – e, mesmo, a inimputabilidade - dos torturadores e assassinos de presos políticos e daqueles que cometem os mesmos crimes nos dias de hoje; a proibição do acesso aos arquivos da repressão. Ainda não conquistamos o direito à verdade, ao passado, à história e à memória enquanto dimensão básica de cidadania, o que passa necessariamente pela construção de uma Comissão de Verdade e Justiça independente e popular. Estas evidências constituem exemplo expressivo da sobrevivência da ditadura militar no pessimamente chamado Estado democrático de Direito. Esta situação de barbárie é potencializada pelo racismo sistêmico, em pleno vigor nas esferas militar, policial, judiciária e carcerária, exatamente aquelas que compõem a também mal chamada Segurança Púbica. A manifestação escabrosa desta situação é a generalização da guerra contra os negros e os pobres, o que leva à poliítica de encarceramento em massa e ao extermínio sistemático da população jovem e negra - trata-se de genocídio sistêmico, chamemos as coisas pelo próprio nome. Concluo saudando a iniciativa das companheiras e companheiros da LER-QI e reiterando que para nós, do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania o combate a esta situação de barbárie é necessária e ontologicamente uma luta contra-hegemônica. Entendemos que a luta pelos direitos humanos só pode ser travada na perspectiva classista da construção de mecanismos de contrapoder, contradiscurso e contramemória. A sua essência é o princípio da radicalidade. Como nos versos do nosso grande Carlos Drummond de Andrade: Do lado esquerdo carrego todos os meus mortos, Por isso caminho um pouco de banda. Saudações libertárias, um abraço fraterno para todas e todos, Heloisa Greco/ Bizoca (p/ Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania / IHG). Belo Horizonte, 1 de abril de 2011
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Maria Beatriz Abramides, presidente da APROPUC
A APROPUC-Associação dos Professores da PUC-SP vem saudar a iniciativa da LER-QI na realização deste importante debate, bem como a tod@s que estão presentes, debatedores e participantes deste ATO CONTRA O GOLPE MILITAR DE de 1964 e que repudia os 47 anos de impunidade contra os crimes da ditadura neste país. Nós militantes, trabalhadores, estudantes devemos continuar combatendo a ditadura o que significa lutar pelo fim do pacto da anistia de 1979, pelo fim dos pactos institucionais que "em nome da verdade" só a escondem. Lutar pelo fim da impunidade pressupõe a exigência de que todos os documentos do período da ditadura militar sejam abertos e os torturadores sejam denunciados e punidos. Neste momento prestemos uma homenagem a tod@s os lutadores que foram mortos pela ditadura militar e aos que sobreviveram e continuam aqui na luta pelo direito à memória e a verdade e por uma sociedade socialista, emancipada. Professora Bia Abramides, pela APROPUC.