Pró-Memória Negra de Campinas

Por acaso, lendo a matéria de um jornal de grande circulação de Campinas, descobri a existência da "Liga Humanitária de Assistência Afro-brasileira", uma entidade criada em 1915 pelo ferroviário e líder anarquista negro, Armando Gomes - na época a entidade recebeu o nome de "Liga Humanitária dos Homens de Cor". Esta associação tenta hoje se reerguer pela iniciativa do seu bisneto, o jornalista José Luis de Oliveira, que, junto aos demais associados da Liga, estão reformando a sede, localizada na Rua Visconde do Rio Branco, 788, para transforma-la num espaço de lazer e cultura - o espaço foi tombado em 2003 com o objetivo de se criar o Museu da Memória Negra de Campinas.

Campinas foi marcada pela escravidão, pelo poder dos barões do café e o latifúndio. Isso não significa que imperou uma relação pacífica. Estudos recentes vem provando que existiram, mesmo na época da senzala, muitos movimentos de luta do povo negro. Um deles, por exemplo, preparou uma insurreição de escravos na região com a ajuda do alforriado João Barbeiro (o Zumbi de Campinas, como costumam dizer), que na época vivia em São Paulo e foi responsável por organizar o levante e fornecer as armas. Infelizmente, a rebelião foi sufocada pela polícia e os latifundiários com a denúncia do Vigário Padre José Joaquim Gomes em 1823.
Muitos outros exemplos também poderão ser encontrados no período pós-abolição da escravidão, quando vários negros da região de Campinas se organizaram em associações, ligas e entidades civis para promover e defender sua cultura e lutar por seus direitos, como foi o caso da "Liga Humanitária". A história dessas lutas e organizações ainda não foram devidamente contadas/recuperadas, predominando a visão do branco escravocrata! Cabe a nós, lutadores e pesquisadores, recuperá-las como parte de uma reflexão coletiva sobre as nossas ações hoje.

Espero que a sede da Liga Humanitária de Assistência Afro-brasileira seja recuperada, contribuindo para resgatar a história das lutas revolucionárias dos negros e negras, operários e operarias do passado. E para aqueles que tiverem interesse, nos blogs Pró-Memória Negra de Campinas e Pró-Memória do Museu Negro encontramos uma pequena mostra de resistência e memória do povo negro.

(Foto de Armando Gomes, preso em 1920 por difundir durante a greve ferroviária um panfleto que incitava os operários a enfrentar a autoridade policial e a abolir a propriedade privada)

Acesse também: "As origens da questão negra e seu papel em nossa revolução" de Daniel A. Alfonso
----------------------------------
ALGUMAS INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS SOBRE O TEMA:


PIROLA, Ricardo F.. A conspiração escrava de Campinas, 1832: rebelião, etnicidade e família. Unicamp, 2005.

ZAMBELLO, Marcos H. Ferrovia e Memória: estudo sobre o trabalho e a categoria dos antigos ferroviários da Vila Industrial de Campinas. USP, Setembro de 2005. 

0 comentários: