Desumanas condições na moradia das obras do Santander

Desumanas condições na moradia operária das obras do Santander
Uma faceta do “Brasil potência” em Campinas

Por Ricardo Festi

Enquanto os grandes meios de comunicação dão destaque em suas manchetes ao fato do Brasil ultrapassar o Reino Unido no ranking global do Produto Interno Bruto (PIB), se tornando a sexta economia do mundo, em suas colunas secundárias são noticiadas algumas das verdadeiras causas que propiciaram o crescimento econômico destes últimos anos, como o aumento da intensidade da exploração do trabalho. Obviamente, que estas mídias, a serviço dos interesses do capital, não explicam a relação entre causa e efeito deste processo de superexploração do trabalho. Apenas cumprem o seu papel de difundir a falsa idéia de que caminhamos para um “Brasil potência”.

Segundo dados preliminares divulgados recentemente pelo IBGE, a maior parte das vagas de empregos criados entre 2000 e 2010 foi ocupada por trabalhadores remunerados em até dois salários mínimos. Em 2000, esse contingente representava 49% de toda força de trabalho. Em 2010, atingira 63%. Entretanto, esses empregos estão concentrados nos setores de serviço e da construção civil, e apresentam um alto índice de rotatividade.

Recentemente, tivemos em Campinas um exemplo de como vem ocorrendo o crescimento econômico dos últimos anos em nosso país. Na última quarta-feira, o Ministério Público do Trabalho interditou o alojamento operário das obras do centro de processamento do Banco Santander, no distrito de Barão Geraldo, em Campinas. O alojamento apresentava péssimas condições de moradia aos trabalhadores. Na casa, moravam cerca de 20 pessoas e, por falta de espaço, muitos dormiam na varanda. Com apenas um banheiro, os operários improvisavam seus banhos com uma mangueira no quintal. Foi constatada também uma infestação de carrapatos no fundo do quintal da casa.
Foto extraídas do site da EPTV Campinas

Este não foi o primeiro e nem será o último canteiro de obras com péssimas condições de higiene e instalações. Nestes últimos anos, foram várias as denúncias e intervenções do Ministério Público em empresas e canteiros de obras, alguns com relativo destaque nas mídias. Todos devem se lembrar do escândalo causado, em meados deste ano, ao se descobrir, em Americana, um foco de trabalho escravo numa oficina que produzia calças para a grife Zara. Esta é apenas uma faceta deste “Brasil potência”: de um lado, cresceu o trabalho ultra-precário (e até mesmo escravo); de outro, as grandes corporações lucraram somas incalculáveis à custa desta exploração.

Voltemos ao caso de Campinas envolvendo o Santander, o maior banco da Zona do Euro e o quarto maior banco do mundo segundo a revista Forbes de 2010. O empreendimento em Campinas não é dos pequenos. Trata-se da construção do seu principal centro de processamento de dados no país, de uma unidade administrativa e de uma unidade de pesquisa. Quando finalizado, será responsável por 66% de todas as operações do Santander no Brasil. Localizado no segundo Pólo Tecnológico de Campinas, entre a Unicamp e a PUCCamp, a obra deverá custar mais de 270 milhões de dólares entre infraestrutura e equipamentos e ocupará uma área de 1 milhão de metros quadrados – o equivalente a 10 estádios do Morumbi.

As contradições entre a envergadura do empreendimento e as degradantes condições de moradia dos operários da obra não param nesses dados. No ano passado, o banco anunciou que este complexo seria construído com a mais alta tecnologia em nível de segurança e sustentabilidade, o chamado “TI Verde”. Segundo uma definição que podemos encontrar na internet, “TI Verde” seria uma área de tecnologia da informação que liga sustentabilidade a utilização dos recursos computacionais com objetivos de reduzir o consumo de eletricidade, matéria-prima e a emissão de Dióxido de Carbono (CO2), bem como se preocupa em reduzir o impacto de seu lixo eletrônico.

Entretanto, além de contrastar com a própria realidade das obras, esse discurso da sustentabilidade, tão em voga entre as grandes empresas, é incompatível com a própria lógica do capital. É da natureza deste sistema baseado na acumulação de capitais uma relação predatória com a natureza. O capitalismo destrói o meio ambiente, pois precisa retirar dele o máximo de lucro possível, esgotando seus recursos e poluindo água, mar e terra. Ao mesmo tempo, desumaniza o próprio homem, sugando as suas forças e o seu tempo num trabalho cada vez mais intenso e precário.

Portanto, é impossível sustentabilidade no capitalismo. Todo discurso ecológico das empresas é uma grande mentira e constitui parte de um discurso ideológico que serve para falsificar a verdadeira realidade destrutiva do capital. Veja-se o clamor em torno de Steve Jobs e a falsa ideia de que a Apple é uma empresa moderna e sustentável. Pode ser que sua matriz seja pautada numa arquitetura moderna e que tenha uma relação de trabalho mais flexível, com engenheiros e cientistas ganhando altos salários. Mas esta não é a realidade nas fábricas que produzem seus produtos. Bem sabe os trabalhadores chineses da Foxcom, com alto índice de suicídio devido ao insuportável ambiente de trabalho, o verdadeiro caráter da fabricante dos Iphones e Ipads.

Esse discurso ideológico sobre a sustentabilidade empresarial encontra eco numa específica camada da sociedade: a pequena burguesa (ou classes médias). Historicamente hipócrita e responsável por um alto nível de consumo, ela fecha os olhos para a exploração ocorrida sobre as massas populares. Está preocupada demais em manter sua estabilidade econômica para poder enxergar a realidade a sua frente. Quando o consegue, o máximo que faz é criar algumas entidades filantrópicas para deixar a sua consciência cristã tranquila. Vive sonhando em conquistar o status social da burguesia, mas não tem renda suficiente para tanto, e teme se empobrecer como um operário. Por isso que, em tempos de passividade e bonança, essa camada é tão reacionária e antioperária.

Tivemos um bom exemplo desta hipocrisia entre os membros da associação de moradores da Cidade Universitária de Barão Geraldo. Em setembro, fizeram uma reunião com os representantes das obras do Santander – o Pólo Tecnológico fica logo atrás este bairro. Diziam estar preocupados com os impactos que a obra traria para a região, como a violência e o aumento do trafego de carros. Entretanto, suas verdadeiras preocupações giravam em torno das “repúblicas” operárias – em analogia as repúblicas estudantis -, ou seja, com as moradias dos operários das obras. O problema é a presença no bairro destes operários negros e nordestinos, muitos com problemas de alcoolismo, o que estariam fazendo muito barulho durante a noite, incomodando os bons costumes deste bucólico bairro branco. Mas, durante a reunião, nenhuma palavra sobre as condições de vida e de trabalho destes mesmos operários.

Voltando ao problema da moradia operária interditada pelo Ministério Público. Neste caso, o Santander deve anunciar que nada sabia sobre as suas condições, isentando-se das responsabilidades. Isso evidencia outra questão sobre as formas de relações de trabalho que foram se constituindo nas últimas décadas: a terceirização.

Não são os funcionários com hollerith da Apple que constroem os seus aparelhos em troca de um mísero salário; também não são os funcionários da Zara que confeccionam as suas calças em troca de R$ 2,00 a peça, enquanto ela é vendida na loja por R$ 200,00; assim como estes operários de Barão Geraldo não são contratados pelo Banco Santander. O que existe em comum entre todos eles é que são trabalhadores de empresas terceirizadas. E a função da terceirização é esta: percarizar (baratear) a força de trabalho; dividir os trabalhadores em vários contratos; e enfraquecer sua força sindical.

No caso, a empresa responsável pela obra do Santander é a GLM Projetos e Construções Civis LTDA, contratada pelo banco para realizar a construção dos prédios. Uma rápida pesquisa pela internet nos demonstrou que esta empresa tem como endereço de sua sede uma pequena sala comercial na cidade de Goiânia. Dá pra imaginar dois ou três funcionários cuidando desta sede, pois é assim que funciona a terceirização neste setor: são empresas de fachadas, prontas para ganhar uma licitação e lucrar em cima da exploração dos operários. Recebem um montante significativo para executar a obra e aplicam o mínimo possível na força de trabalho. Muitas destas empresas terceirizadas fecham as suas portas antes de terminarem as obras, deixando atrasados salários e direitos trabalhistas. As péssimas condições de moradia descobertas em Campinas são para a GLM apenas uma forma de redução de custos.

Como afirmamos anteriormente, este não foi o primeiro e infelizmente não será o ultimo canteiro de obras em Campinas com essas condições de trabalho e moradia. Ao longo dos últimos anos, além de condições similares a essas, foram encontrados trabalho escravo na região. Este alto índice de ocorrência deve-se ao fato de Campinas ter tido um papel de destaque neste último ciclo de crescimento econômico (para se ter uma ideia, o PIB da região metropolitana de Campinas cresceu acima da média nacional na ultima década), acumulando de forma concentrada as principais contradições deste “Brasil potência”.

Torcemos para que estas condições de trabalho e moradia despertem novas Jiraus na região. Mas também estamos conscientes de que isso dependerá do grau de organização destes trabalhadores, da superação de um velho sindicalismo burocrático, da atuação das organizações de esquerda e da solidariedade vinda das demais categorias (principalmente metalúrgicos e químicos, as duas mais fortes da região). Que os ventos internacionais transformem essas revoltantes condições de trabalho em revoltas sociais!

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa tarde.


Segue uma reportagem que foi feito pela REPORTER BRASIL, sobre as condições precarias dos trabalhos feitos no projeto do banco santander, este video ficou exposto somente um dia, com link do YOUTUBE, no dia seguinte o mesmo foi removido, o mesmo consta pelo YOUTUBE, que este video somente poderá ser visto com link e não encontra-se listado, estranho né, ou é a influencia que o SANTANDER tem para esconder as informações. Ótima reportagem, muito bem esplanado todas as condições, como pude verificar que o grupo dos Senhores vem enfrentando muita dificuldades referente ao projeto, acredito que seja de extrema importância que o video seja divulgado para o maior numero de pessoas possível.


Segue o link: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hXrgFuGDetU

Atenciosamente


Renato S.

Festi disse...

Caro Renato S.,

Obrigado pela indicação do vídeo. Eu já o postei no blog para dar um destaque maior a ele.

Abs
Ricardo