A “meritocracia” do ensino paulista
Escrito por: Rodrigo Martins
“Nossa última greve, em 2004, durou 80 dias. Foi graças a ela que conseguimos reajuste no ano seguinte”, avalia. “De lá para cá, o governo tem usado a bonificação como desculpa para não mexer nos salários. Só que os critérios desse bônus são confusos e punem o professor por aspectos que não dependem dele.”
Entre 2000 e 2006, o governo paulista oferecia o chamado “bônus mérito” para estimular a atividade docente. O pagamento premiava, na verdade, professores assíduos, com mais tempo de casa e bem avaliados pelos gestores das escolas. A partir de 2007, o sistema foi substituído pela bonificação por resultados, que passou a agregar critérios de produtividade, como a aprovação dos alunos e a evasão escolar. Além disso, criou-se o Sistema de Avaliação Institucional, no qual alunos, professores e funcionários respondem a um extenso questionário para avaliar a qualidade de ensino e as condições de infraestrutura das unidades.
“O governo tem todo o interesse de que o número de formandos seja o maior possível, porque a repetência gera mais gastos para o sistema”, afirma Antonio Pereira Afonso, diretor interino da Etec Getúlio Vargas, na zona sul de São Paulo. “Por trás dessa política de bonificação, há, porém, uma estratégia de ‘forçação de barra’, de aprovar aluno a qualquer custo, mesmo que ele não tenha desempenho satisfatório. Além disso, a evasão escolar e o déficit de aprendizagem não dependem apenas do docente. Normalmente estão associados a outros fatores externos à escola, como problemas familiares ou necessidade de trabalhar.”
Em 2011, os professores da Etec Getúlio Vargas tiveram um bônus de 2,4 salários, índice muito superior ao oferecido nos últimos dois anos, quando os docentes receberam menos de um salário a título de bonificação. O que mudou? “De fato, podem ter -contribuído os mutirões feitos por professores na tentativa de recuperar alunos irrecuperáveis. Mas, na prática, isso também se deve ao acaso. Menos alunos desistiram dos cursos”, avalia Afonso.
Doralice de Souza Balan, diretora da Fatec de Bragança Paulista, uma das oito faculdades de tecnologia que não receberão bônus em 2011, critica a falta de critérios claros no pagamento do benefício. “Desde fevereiro, requisitamos informações ao Centro Paula Souza (órgão estatal responsável pela administração das escolas técnicas e Fatecs) para saber exatamente a meta que precisávamos cumprir, mas ainda não recebemos resposta”, afirma. “Estamos no limbo, sem saber no que erramos, se é que erramos. Um dos pontos avaliados é a infraestrutura da escola, mas isso é de responsabilidade exclusiva do governo. Como a unidade é nova, compartilhamos o prédio de uma escola municipal até o nosso ficar pronto. É evidente que há insatisfação com as instalações inadequadas, mas quem resolveu expandir a rede antes de oferecer todas as condições não foram os professores.”
Do quadro de 22 docentes da Fatec São Sebastião, no litoral norte, três abandonaram a instituição no último ano para lecionar em escolas privadas ou universidades federais. “O plano de carreira deles é mais vantajoso e os salários, melhores”, explica Balan.
O coro dos descontentes é engrossado por Silvana dos Santos de Marchi, diretora acadêmica da Fatec São Sebastião, criada em 2009. “Dividimos espaço com uma escola técnica. Faltam laboratórios, biblioteca, os banheiros estão superlotados. Mas essa é uma situação excepcional, até o prédio da faculdade ficar pronto”, lamenta. “O que deveria incentivar o professor está se tornando um fator de desestímulo. É injusto o docente não receber bônus por causa da infraestrutura, porque houve pouca aprovação ou muitos alunos desistiram do curso. Isso é normal em qualquer faculdade.”
A gestora também critica a falta de comunicação da administração central com as unidades de ensino. “O Centro Paula Souza divulgou as metas de cada escola ou faculdade um dia antes de o governo estadual publicar, no Diário Oficial, os índices de bonificação para cada instituição. É uma aberração. Quando é traçado um objetivo, o razoável é que todos saibam o que é e tenham um ano para tentar alcançá-lo.”
Diversos professores ouvidos por CartaCapital criticaram ainda o baixo valor do vale-refeição (4 reais por dia) e dos descontos da bonificação por faltas justificáveis, como licenças médicas e a chamada “licença-prêmio”, na qual o profissional é recompensado por não faltar nenhuma vez durante cinco anos. “No ano passado, tive de ficar afastado da escola por quatro meses em razão de uma cirurgia no joelho. E, neste ano, só pude receber dois terços da bonificação”, afirma Afonso, da Etec Getúlio Vargas, que lecionava disciplinas de eletroeletrônica antes de assumir a direção da escola.
Procurada por CartaCapital, a superintendente do Centro Paula Souza, Laura Laganá, alegou problemas na agenda ao recusar o pedido de entrevista. Por meio de nota, a assessoria de imprensa da instituição disse que “está em elaboração um novo Plano de Cargos e Salários para valorizar o salário dos professores”. As alterações de valores dependem, no entanto, de previsão orçamentária e aprovação na Assembleia Legislativa. Além disso, a nota informa que os parlamentares aprovaram, em 2008, um novo plano de carreira com reajuste médio de 49% no valor da hora-aula paga aos professores.
Especialista em avaliação, Luiz Carlos de Freitas, professor de Educação da Unicamp, contesta a própria existência da bonificação na educação pública. “Os reformadores empresariais acreditam que a educação é uma atividade como qualquer outra, passível de ser administrada pelos critérios da iniciativa privada. Ocorre que, no mercado, há ganhadores e perdedores, e os ganhadores não têm de se preocupar com os perdedores”, afirma. “No sistema de bônus, os testes ganham relevância extraordinária e acabam por corromper o processo social que tentam monitorar. Recentemente, Beverly Hall, superintendente do sistema educacional de Atlanta, na Geórgia (EUA), foi demitida após uma investigação que identificou fraude na avaliação de 58 escolas públicas. Em Nova York, John Klein deixou o cargo de superintendente, em junho de 2010, quando se descobriu que as altas notas que os alunos tiravam nas escolas estavam infladas. A escola não é uma pequena empresa.”
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